quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Semelhanças

"Se a pessoa deixar de olhar para os manuais de biologia e começar a olhar para os animais e para os homens, chegará à espantosa conclusão (no caso de ter sentido de humor e imaginação, bem como uma certa dose de frenesim e de farsa), não de que o homem se parece imenso com os animais, mas de que se parece muito pouco com eles. Aquilo que tem de ser explicado não é a semelhança, é a monstruosa escala da dissemelhança. Que o homem é parecido com os animais é, em certo sentido, um truísmo; mas que, sendo tão parecidos, eles sejam tão inconcebivelmente diferentes, isso é que é um choque e um enigma. O facto de o macaco ter mãos é muito menos interessante para o filósofo do que o facto de, apesar de ter mãos, ele quase nada fazer com elas: não joga ás pedrinhas nem toca violino, não esculpe o mármore nem trincha um peru. As pessoas falam da falta de gosto na arquitectura e da arte degenerada. O certo, porém, é que os elefantes não constroem templos colossais em marfim, nem sequer em estilo rococó; e que os camelos não pintam, nem sequer quadros de má qualidade, embora disponham de material que lhes permite produzir uma enorme quantidade de pincéis de pêlo de camelo. Há certos sonhadores modernos que afirmam que as formigas e as abelhas constituem sociedades superiores às nossas. Não há dúvida de que esses animais têm uma civilização; mas essa verdade apenas nos recorda que se trata de uma civilização inferior. Já alguém viu a sala de estar de uma formiga decorada com bustos de formigas famosas? Já alguém viu uma colmeia decorada com imagens de esplendorosas abelhas-mestras de antanho? Não; o abismo que existe entre o homem e as restantes criaturas poderá ter uma explicação natural; mas lá que se trata de um abismo, disso não há qualquer dúvida. Falamos dos animais selvagens; mas a verdade é que o homem é o único animal selvagem da criação. O homem foi o único animal que fugiu. Os outros animais são todos domésticos; todos eles acatam a inflexível respeitabilidade da tribo e da espécie. os outros animais são todos domesticados; o homem é o único animal que permanece por domesticar, que pode ser um devasso ou um monge."

G.K. Chesterton
in "Ortodoxia", Aletheia, 2008.

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