terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Fome

Descobri numa dessas passagens de ocasião pela FNAC que a Cavalo de Ferro editou "Fome" de Knut Hamsun.

"Fome" é um relato desesperante de um homem qualquer, sobre o qual nada sabemos, em luta contra a pobreza, uma pobreza opressiva que domina a atmosfera da história em todos os momentos. O tema tinha, à priori, todas as condições para poder ter transformado o livro numa dessas obras de referência do esquerdismo miserabilista…

Não é assim…e não é assim porque o combate do personagem permanece sobretudo interno, e nunca chega, verdadeiramente, a ganhar uma dimensão sociológica. É do princípio ao fim uma guerra íntima e não uma história de ressentimento e revanchismo societário.

A chave reside no carácter daquele homem. Acima de tudo é um homem orgulhoso. Enquanto trava uma luta diária pela sobrevivência, uma batalha que é, portanto, ditada pelas condições da vida exterior, trava uma outra luta, a de preservar e projectar uma certa imagem de si mesmo, ditada por um temperamento altivo.

Todo o livro está marcado por esse cruzamento, quase esquizofrénico, de realidades conflituantes, de um lado aquela vida exterior degradante e do outro a tentativa de preservar interiormente o seu “eu”, a sua honra. Com o passar das páginas há uma invasão crescente do espaço interno do personagem pela realidade externa, desde a percepção antagónica que ele e os outros fazem dos seus actos, a uma degradação comportamental e intelectual provocada pela fome.

No culminar desse conflito recebe, por engano, uma soma de dinheiro. Pensamos, por fim, na salvação, no meio para ultrapassar a dor, as agruras daquela vida, mas nesse conflito final será a sua honra, o seu orgulho, a prevalecer, provavelmente, e paradoxalmente, condenando-o.

Rodrigo N.P.

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