terça-feira, 25 de novembro de 2008

Patriotismo

"O patriotismo - vimos nós e demonstrámos - é a base do instinto social, é, mesmo, o único instinto social verdadeiro; não é de resto, mais que um egoísmo colectivo, ou, melhor, a forma colectiva do egoísmo, base de toda a vida psíquica. Demonstrámos também que, ao contrário da inteligência - que busca compreender e, pois que o busca, não pode odiar aquilo cuja compreensão a atrai -, o instinto odeia tudo quanto não seja ele, que o instinto é, portanto, radicalmente antagonista; que, portanto, a atitude normal de qualquer nação com relação às outras é o ódio; que a guerra é, por conseguinte, o estado natural da humanidade, não sendo a paz, evidentemente, mais que um estado de preparação para a guerra.
É esta a velha tese do povo inglês, do damned foreigner; é esta a teoria para sempre célebre de Heraclito, quando, comentando o desejo de Homero, de que as guerras cessassem de vez, diz que se as guerras cessassem, a própria vida cessaria, porque a 'guerra', diz, 'é a mãe de todas as coisas'. E assim é (...).
A tese, com efeito, pode ser alargada, e aplicada não só ao egoísmo nacional, como também ao egoísmo dos indivíduos. Se o amor é fonte de toda a vida física, o ódio é a fonte de toda a vida psíquica. É do ódio entre homem e homem que a civilização nasce, é da concorrência entre homem e homem que o progresso surge, é do conflito entre nação e nação que a humanidade recebe o seu impulso. Só a paz é infecunda, só a concórdia é improfícua, só o humanitarismo é anti-humanitário. E assim morre, ante a análise sociológica, o último dos falsos princípios da Democracia moderna.
E como vimos que a base do instintivismo social é o sentimento patriótico; como vimos que o instinto é radicalmente antagonista, sabemos, por conclusão, que não há instinto patriótico que não seja antagonista e guerreiro. No que pacifista, portanto, a democracia moderna é radicalmente inimiga do sentimento patriótico, radicalmente antipatriótica e antinacional."

Fernando Pessoa
cit. in Miguel, Ruy, Fernando Pessoa, o antidemocrata pagão, Nova Arrancada, 1999.

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